Texto 1
Disponível em: http://www.lpm.com.br/site/. Acesso em: 18
mar. 2014.
Texto 2
Disponível
em: http://www.caranguejo.org.br/meio-ambiente-3/. Acesso em: 18 mar. 2014.
Texto 3
Caso
de canário
Casou-se havia duas semanas.
Por isso em casa dos sogros, a família resolveu que ele é que daria cabo
do canário.
— Você compreende. Nenhum de
nós teria coragem de sacrificar o pobrezinho, que nos deu tanta alegria. Todos
somos muito ligados a ele, seria uma barbaridade. Você é diferente, não teve
tempo de afeiçoar-se ao bichinho. Vai ver que nem reparou nele, durante o
noivado.
— Mas eu também tenho
coração, ora essa. Como é que vou matar um pássaro só porque o conheço há menos
tempo que vocês?
— Porque não tem cura, o
médico já disse. Pensa que não tentamos tudo? É para ele não sofrer mais e não
aumentar o nosso sofrimento. Seja bom; vá.
O sogro e a sogra apelaram
no mesmo tom. Os olhos claros de sua mulher pediram-lhe com doçura:
— Vai, meu bem.
Com repugnância pela
obra de misericórdia que ia praticar, ele aproximou-se da gaiola. O
canário nem sequer abriu o olho. Jazia a um canto, arrepiado, morto-vivo. [...]
— Primeiro me tragam o vidro
de éter, e algodão. Assim ele não sentirá o horror da coisa.
Embebeu de éter a
bolinha de algodão, tirou o canário para fora com infinita delicadeza,
aconchegou-o na palma da mão esquerda e, olhando para o outro lado, aplicou-lhe
a bolinha no bico. Sempre sem olhar para a vítima, deu-lhe uma torcida rápida e
leve, com dois dedos, no pescoço.
E saiu para a rua, pequenino
por dentro, achando a condição humana uma droga. As pessoas da casa não
quiseram aproximar-se do cadáver. Coube à cozinheira recolher a gaiola, para
que sua vista não despertasse saudade e remorso em ninguém. Não havendo jardim
para sepultar o corpo, depositou-o na lata de lixo.
Chegou a hora do jantar, mas
quem é que tinha fome naquela casa enlutada? O sacrificador, esse, ficara
rondando por aí, e seu desejo seria não voltar para casa, nem para dentro de si
mesmo.
No dia seguinte, pela manhã,
a cozinheira foi ajeitar a lata de lixo para o caminhão, e recebeu uma bicada voraz
no dedo.
— Ui!
Não é que o canário tinha
ressuscitado, perdão, reluzia vivinho da silva, com uma fome danada?
— Ele estava mesmo
precisando era de éter – concluiu o estrangulador, que se sentiu ressuscitar,
por sua vez.
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Elenco de cronistas modernos. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1976.
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